-¿Para que querés los clavos?
- Todavia no sé –dijo Oliveira, confuso- En realidad saqué la lata de los clavos y descubrí que estaban todos torcidos. Los empecé a enderezar, y con este frío, ya ves... Tengo la impresión de que en cuanto tenga clavos bien derechos voy a saber para qué los necesito.
Julio Cortázar. Rayuela
Intro[1]
Ritmo
Poesia postpoesia
Com esta rima
a música e a energia...
A senda do teu perfume
sobrevoava aquele humilde quarto do operário
que continuava a fazer parte
do sindicato dos pobres
com a certeza de que
os pequenos alquimistas vivem à margem das galas
Com as palavras que nunca dixemos
de pé baixo do pont-neuf
caminho sobre os passos do inverno e busco um oco
De que me valem agora as palavras
Eu levava cento e vinte dias repetindo o seu nome de seda
doem-me os pés
de manter o equilíbrio
[1] Com música da rádio e versos de Rafa Villar, Maria Lado, Estibaliz Espinosa, Eduardo Estévez, Marta Dacosta, Baldo Ramos, Yolanda Castaño e Emma Couceiro
Todos os dias
baixava à aldeia a pé
para tomar um café com leite no bar
e comprovar se chegara correio para ela
Demorava duas horas a vir
e outras duas a voltar
“Na cidade”
repetia sempre
“o leite sabe realmente mal
e a conexom é muito mais lenta”
Pensam queimar as nossas bibliotecas
As bibliotecas que levamos na selva
da nossa memória
Queimarám os livros e as revistas
mas será demasiado tarde
e ainda que ardam também as nossas casas
seremos tam pobres
que ninguém nos ajudará a reconstruí-las
Vimos-vos
Nom mil
quinze mil
Quinze mil vezes renegastes
antes de cantar o galo
a repetir
a coro
em processom
baixo pálio
que o mal nom acouga
A Adelino
quando lhe perguntavam
dizia que trabalhava no polígono industrial
E nom era mentira
A sua família sempre tivera umha leira
em aquele terreo
no final da costa de vacas
Fora de seu pai
E da sua avó
E da mae desta
Ele nunca teria vendido
mas foi expropriaçom forçosa
É polo bem de todos
diziam-lhe no bar à hora dos cafés e as partidas
Comprou
justo onde tivera as patacas
umha parcela com o dinheiro que lhe dérom
e a pensom dos anos em Zurique
Só havia três naves
um burguer com karaoke
e a sua horta
Quando lhe perguntavam
dizia que trabalhava no polígono industrial
E nom era mentira
Sim por suposto
Continúo cá
Ainda nom perdim a esperança de que suceda
Depois de tanto tempo nom vou renunciar
Cada vez tenho mais possibilidades de que suceda
Nom pode ser doutra forma
Nom há tardar
Sei que virá
Vai ser
Sim
Por suposto
Continúo cá
Ainda nom perdim a esperança
Nom podo mover-me
Fazede o que queirades
Eu continúo
Continúo
Sim
Sim
É certo
Estavam todas as portas abertas
Porém
o de valor estava fora
Dentro
só um intenso sabor a necessidade
nas horas das comidas
e um pesadelo de ausências
nas noites
“Qualquer pessoa pode escrever como Manolo Rivas
Ou como Suso de Toro
Eu próprio som capaz de escrever como Ferrim
ou como Manuel Maria”
explicava Chema ao público
em aquela charla-colóquio na biblioteca municipal da Veiga
Tinha publicados três livros de poesia
e um romance
Mas a sua profissom era a de camionista
O seu verdadeiro orgulho era aquele trailer
de 15 toneladas
“O dificil é escrever coma mim”
continuava a dizer
“colhendo o bolígrafo com a esquerda
o caderno em riba do volante
e circulando
a cem por hora
por essas autoestradas alemás do demo”
Saltaria dentro de ti
mas já sabes que nom sei nadar
O Pataca entra no bar
como todas as tardes
e pede um café com uisque
como todas as tardes
para jogar a partida
como todas as tardes
Mas som as dez da manhá
onde entrou é no tanatório
e aquele caixom é estreito de mais
para umha partida de tute
Todas as luas som cheias
e os nevoeiros assulagam os sonhos
A neve na Guiana
anda na procura
dumha cidade
sobre a que cair
O carvom
fai com que a cozinha lembre
retalhos de vidas passadas
de dias que começavam na noite
e trabalhos que nom tinham
fim
Escreves o teu nome no cristal
enquanto escuitas como o leite rompe
a ferver
No limite deste horizonte
só há outro horizonte
Nom dixemos nada
nem os nossos nomes
Só foi um silêncio
entre a dúvida e o temor
entre o medo e o amor
Como nom sabes contra quem deves berrar
rompes as palavras na boca
movendo os olhos
para esquecer os nomes dos objectos
Podermos transformar o céu
e nom andar por aí com ele
perdendo-o entre as interpretaçons e os mundos
entre os caminhos e as horas
Podermos assaltá-lo
rompê-lo
em mil anacos cada nuvem
como nos rompe a nós
para nom ter que reagir atréu
cada vez que chega o futuro
Podermos entendê-lo
para entender os nossos silêncios
as nossas ignoráncias
para que todo seja mais que um delírio
voluntário
A solidade dum verso alheio
que sempre escapa
Nom existirem estas palavras
Desde aqui controlo todo o que sucede
Nada escapa à minha vista
Mentres sirvo cafés
ou cobro coca-colas
ou atendo a algum impertinente cliente
que pensa que todo o monte é ourego
miro
olho
fito
espreito
diviso
observo
reparo
noto
examino
advirto
analiso
nada se me escapa
nada é alheio aos meus olhos
nada pode suceder sem ter-me como testemunha
nada acontece sem reclamar a minha intensa e concentrada atençom
e se estou ocupado
o mundo detem a sua marcha
a esperar por mim
No sonho
aparece o mundo
entre as estrelas
e a casa
assulagada
aonde ninguem já chega
nem se achega
O demais
som restos dum naufrágio
Obrigatoriamente contra o inferno
e os pecados
construim a tua igreja à tua imagem e semelhança
como era o teu desejo
e berrei bem forte os mandamentos
todos
que tu me impugeras
do primeiro ao último
sem esquecer nengum
sem acrescentar nem modificar nada
porque nom era permitido interpretar as tuas palavras
Propaguei a tua mensagem
que saía da minha boca
nas ruas nos templos e nos palácios
e mostrei-lhes a luz
como tu me dixeras
Carreguei com a cruz de ser teu filho
e pronunciei sempre com respeito e veneraçom o teu nome
para que pudesse ser santificado
para que aprendessem também a falar contigo
e para que tivessem o justo e necessário medo
Figem assim a tua vontade
Mas às vezes
sem pretendê-lo
escuitei as suas palavras
lim os seus livros
e reparei nas suas vidas
Por isso decidim desertar
Nom é que me cansara
ou que me cegara o brilho da carne
como tu dixeche a quem te quijo ouvir
Foi que nom suportava saber-me morto
saber-me já morto
mesmo antes do sacrifício
a que me conduzias
prisioneiro dum fado maldito
de que nom podia afastar-me
Figem-no
porque sabia que essa era a maneira definitiva
de nom cair nunca
na tentaçom
e libertar-me do mal
Os mares que nom conheço
As montanhas às que nunca fum
O’Hara ia de viagem
no Rias Baixas
e levava socos de madeira nos pés
e nas maos umha garrafa com água das Burgas
dessa que cheira a ovos podres
Falava galego no laboratório
e à volta
acendia o computador
e procurava perguntas
para tantas respostas
Também direi todas as palavras do mundo
e todas as que venhem nos dicionários
a falar sem parar
sem parar de falar
umha por umha umha após outra
por ordem alfabética
e de trás para diante
boca para baixo e a berrar
sentado
e sem saltar
se for necessário
direi-nas todas
sem faltar nengumha
direi-nas
juro-cho
mas nom agora nom
agora nom