Centro de Documentación da AELG
Alguns poemas nom publicados em livro individual e/ou inéditos - 2
Lugris, Igor

“Qualquer pessoa pode escrever como Manolo Rivas

Ou como Suso de Toro

Eu próprio som capaz de escrever como Ferrim

ou como Manuel Maria”

explicava Chema ao público

em aquela charla-colóquio na biblioteca municipal da Veiga

Tinha publicados três livros de poesia

e um romance

Mas a sua profissom era a de camionista

O seu verdadeiro orgulho era aquele trailer

de 15 toneladas

“O dificil é escrever coma mim”

continuava a dizer

“colhendo o bolígrafo com a esquerda

o caderno em riba do volante

e circulando

a cem por hora

por essas autoestradas alemás do demo”

 


 

Obrigatoriamente contra o inferno

e os pecados

construim a tua igreja à tua imagem e semelhança

como era o teu desejo

e berrei bem forte os mandamentos

todos

que tu me impugeras

do primeiro ao último

sem esquecer nengum

sem acrescentar nem modificar nada

porque nom era permitido interpretar as tuas palavras

Propaguei a tua mensagem

que saía da minha boca

nas ruas nos templos e nos palácios

e mostrei-lhes a luz

como tu me dixeras

Carreguei com a cruz de ser teu filho

e pronunciei sempre com respeito e veneraçom o teu nome

para que pudesse ser santificado

para que aprendessem também a falar contigo

e para que tivessem o justo e necessário medo

Figem assim a tua vontade

 

Mas às vezes

sem pretendê-lo

escuitei as suas palavras

lim os seus livros

e reparei nas suas vidas

 

Por isso decidim desertar

Nom é que me cansara

ou que me cegara o brilho da carne

como tu dixeche a quem te quijo ouvir

Foi que nom suportava saber-me morto

saber-me já morto

mesmo antes do sacrifício

a que me conduzias

prisioneiro dum fado maldito

de que nom podia afastar-me

Figem-no

porque sabia que essa era a maneira definitiva

de nom cair nunca

na tentaçom

e libertar-me do mal

Amei

 

 


Casa Skylab[2]

 

 

Quando se nega o dia a escalar o corpo dos altos edifícios

mostrando fragmentos de estrelas proibidas

onde a penas existem feridas que se esquecem

porque nos arrodean os poldros perdidos da brétema

 

Alta cidade tinguida pola névoa

Na cidade chove em amarelo

umha água fresca que me encelma a língua

e umha música lonxana esvaendo-se

 

Desde a opaca pátina do balcom pechado

no abissal fundo dos oceanos

venhem lentas as fías dos remorsos

No meio da rua

grosseira inculta e pouco delicada

em um jardin que tarde ou cedo há engolir o asfalto

memória do que queremos esquecer

ainda há algo a reclamar-nos

 

Som tempos de olhar a chuva

invernía no lento fluír dos almanaques

Será a emoçom quanto vale nesta terra?
De cada cidade agroma o aroma dum mistério

fronte ao mar equivocado

Como sei que ti e eu nos queremos

 

 

[2] O título é de Santiago Jaureguizar e os versos de: Celso Álvarez Cáccamo, Luisa Villalta, Miro Villar, Anxo Angueira, Xohana Torres, Fran Alonso, Antón Avilés de Taramancos, Xosé Luís Santos Cabanas, Yolanda Castaño, José Alberte Corral Iglesias, Ana Romani, Emma Couceiro, Lois Pereiro, Pilar Pallarés, Marta Dacosta, X. Antón L. Dobao, Eduardo Estévez, Carlos Negro, Estíbaliz Espinosa, Alberte Momán, Franck Meyer, Maria Lado.

 


 

Olho para as leitugas

enquanto boto água nas fendas da memória

e co sacho golpeio docemente

cada umha das palavras que rodeiam esta casa

“Parabéns”

berram os gatos todos os gatos do mundo

enquanto sigo a cair polo precipício

e oito galinhas cantam

a coro

a melodia das casas habitadas

 

Um cam dorme diante da porta

aberta

 

Lentamente

esqueço as horas

os minutos os segundos

até chegar a esta pequena sensaçom de calor

Talvez todo seja arrastar palavras

dum lado para outro

sem cessar

até que alguém escuite

e entom ficar em silêncio

Para sempre

 


 

Eis quem pensa que a derrota é umha vitória

e nom só nom pactua a rendiçom

mas entrega incondicionalmente as suas armas

os seus exércitos

na procura dumha salvaçom in extremis

que lhe assegure um lugar à direita do pai

ou à esquerda

tanto tem

porque o importante é saírem na foto

 


Enterrou no meio da leira

num burato bem fundo

a distáncia e a memória

E nesse mesmo lugar

plantou as vides

 

o vinho soubo-lhe sempre a nostalgia

e era muito apreciado nos locais de fado

Nom lho queriam na cooperativa

 



Deverias caminhar sobre as águas

dixo-lhe aquela calorosa tarde a voz interior

E intentou-no

Intentou-no repetidas vezes

até que o socorrista lhe chamou a atençom

por andar a fazer o parvo

nas piscinas municipais

 


 

Som as oito

É de dia

Baixa a neve das montanhas

e umha pequena voz

no interior do exterior

repete incessantemente

palavras que sabem a despedidas

a memórias quase esquecidas

a velhas palavras que em algum momento fôrom bonitas

 

Como te chamas?

pergunta o ruído dum carro que atravessa a janela

ou que parece que atravessa a janela

“Julio Cortazar”

responde com voz segura o livro da Maga

em cima da mesa da cozinha



 

O oráculo pensou

“Isto cai polo seu próprio peso”

 

Nom

estava

ante

as

torres

gémeas

 

Estava na rua do Hórreo

e de fundo ouviam-se

as vozes duns parlamentares

a debaterem

sobre

a) a conveniência

b) a pertinência

c) a importáncia

de aplicar a normativa ISO 40/30006

nas caixas de bolachas

 



Saída[3]

 

 

Nom há mais butano amor

Quanto tempo tarda em acabar-se todo

Um nom sabe bem que sentimento

cria quem esquece o parto, assente a pele e tensa o corpo

 

A procedência da nossa pele é anterior ao anterior

Contornando o jardim botánico

sempre há umha princesa

porque as laranjas dos reis eram pequenas e doces

 

Os teus olhos nom olham o que te bica

Assim che medrou no peito um tambor de buxo

Estou como escrita amor no fundo dos versos fluidos

 

 

[3] Versos de Fran Alonso, Yolanda Castaño, Emma Couceiro, Marta Dacosta, Antón Dobao, Estíbaliz Espinosa, Eduardo Estévez, Maria Lado, Franck Meyer, Carlos Negro e Luisa Villalta.



Sabiam bem que o seu

-se havia qualquer cousa que pudesse ser nomeada como

o seu-

era na prática

impossível

Nem táctica nem estrategicamente

existia aquilo que ambos os dous reconheciam

instintivamente

como o seu

Ela era eminentemente lírica

e ele obsessivamente prosaico

Ele substantivizava acçons

e ela nom fazia mais que adjectivar sentimentos

Ela na procura incessante de umha cálida sensaçom

e ele sempre a fugir de qualquer indício de doçura

 

Porém

conseguiram

nas escassas ocassions em que coincidiam

no tempo e no espaço

caminhar juntos sem tropeçarem

e mesmo podiam estar vários segundos

e até minutos

diante de uns cafés ou umhas cervejas

sem falar

em silêncio

A evitar cuidadosamente as inecessárias palavras

 

Sabiam bem

que umha mínima parte do outro

era cousa sua

e que a soma de tudo isso

era aquilo que

inexplicavelmente

dotava de conteúdo o seu

-se havia qualquer cousa que pudesse ser nomeada como

o seu-



 

Confundim-me

ou enganárom-me

Eu queria solicitar um dos postos de músico

Acordeom

guitarra

ou bateria

Tanto me tinha um como outro

Eu nom tenho nem ideia de música

e penso que só umha vez vim um acordeom a menos de 100 metros

Mas pensei que isso teria possibilidades

Possibilidades de fugir

digo

Estar aí

com o acordeom com a guitarra com a bateria

sem chamar a atençom

e em qualquer momento

zás!

Fugir

Escapar

Evadir-me

isso é

Exactamente isso

Evadir-me

Eu escuitara em algum lado que a vida do músico

polo geral

é daquela maneira

já se sabe

mais relaxada

menos rígida

sem tanta vigiláncia e controlo

e pensei que numha dessas

entre notas partituras e semicolcheias

que eu nom sabia nem o que eram

e continuo sem saber

numha dessas

aproveitava eu

e...

A evasom

A escapada

A fugida

Eu por isso queria solicitar um dos postos de músico

Saber

o que se di saber

de música nom sei grande cousa

Mas nom som parvo

e podia aprender

Também aprendim a manejar a vassoira

a esfregar as janelas do quarto andar

que só abrem para fora e ninguém se atrevia

e a levar a roupa à lavandaria

que som o único de toda a minha secçom

a quem lhe deixam levar a roupa à lavandaria

Também podia aprender algo de música

E por isso fum pedir os papéis para solicitar um posto

Mas confundírom-me

ou enganei-me

e preenchim os papéis para o posto de operário jardineiro

 


 

E cá estou

sem poder sair destes muros

tam cinzentos

arrancando as ervas más que medram

tam verdes

nos jardins deste centro

tam psiquiátrico



 

Agora que conheces os adjectivos da dor

di-me que substantivo empregarás

para definir o silêncio de umha explosom

 

Agora que conheces as regras da subordinaçom

e manejas com soltura a retórica

explica-nos que temos que fazer com a verdade

 

Agora que caducárom todas as metáforas

e estám proibidas as metonímias e as elipses

convencede-nos de que a terra é plana e o sol gira sobre ela



 

Também quigem ser um viageiro

aventureiro

tal vez guerrilheiro

e por isso um dia decidim

marchar à serra

À Serra

de Outes

que eu era um principiante

e nom era questom de começar lançando-se à Sierra Maestra

À Serra de Outes

dixem-lhe ao condutor do autocarro

Tam arriscado fum que aguardei o autocarro na estrada de Nóia

e nom na estaçom dos autocarros