Centro de Documentación da AELG
Alguns poemas nom publicados em livro individual e/ou inéditos - 1
Lugris, Igor

Ao som dum hino alheio

 

Caminhei sobre as águas quando nom sabia que fazer
Multipliquei o pam e os peixes porque tinhamos fame
Ressucitei um morto porque era um bom amigo
e para nom ter que morrer eu mesmo
Evitei que a umha mulher lhe tiraram pedras
porque eu também pecara
Anunciei a destruiçom do templo pois em verdade ia ser destruido
Andavam alguns comigo porque eu nom tinha com quem andar
E quando quixérom crucificar-me escapei porque tinha medo

 

E agora
dous mil anos despois
alguém pretende levar-me à cadeia
por nom desfilar ao som dum hino alheio

 

(Abril de 1995)

 



Em Maio era por Maio quando figerom santo a Rafael

Estava a lua em calma

a mar estava crescida e alguns diziam mentiras

 

Aló onde mais umha vez os animais falarom

alguns ainda duvidavam dos efeitos dos raios gamma sobre as margaridas

 

Reunindo cinco tapas do teu refrigerante favorito

regalavam um tomo das obras completas

Màs à hora de fregar os pratos demostrou-se que

o novo lavalouças

era um verdadeiro aforro

 

Estivo muito bem o discurso do Presidente da Académia

Mas ainda melhor o do Delegado do Governo

(Eu som dous e estou em cada um de esses dous por completo)

 

Para o Reitor e para o Presidente do Patronato houvo aplausos

e petiçom de orelha

Para o Catedrático orelha e volta ao ruedo

Para o Conselheiro duas orelhas rabo e volta ao ruedo

O bedel saiu em ombros

 

Pitos almoadilhas e bronca para os petiscos por escasos

Grande sucesso do vinho

A Presidência verqueu

como é habitual

umhas enxebres bágoas no remate do acto

(Flashes e mais flashes)

 

Boa entrada e publico entendido

Participaçom das penhas habituais

 

(Maio de 1995)

 



Pensam queimar as nossas bibliotecas

As bibliotecas que levamos na selva

da nossa memória

Queimarám os livros e as revistas

mas será demasiado tarde

e ainda que ardam também as nossas cassas

seremos tam pobres

que ninguém nos ajudará a reconstruí-las

 

(Fevereiro de 1995/Dezembro de 2003)

 



Passei por esta rua cinqüenta mil vezes
Nom é um dizer
É certo
Vinte e cinco mil cara arriba
e vinte e cinco mil cara baixo
Sempre sentado aqui
Sempre parando no mesmo sítio
Sempre vendo a mesma gente
os mesmos carros
as mesmas tendas
sempre os mesmos semáforos
as mesmas sinais
as mesmas marcas viais que sinalam o meu caminho
sempre o meu mesmo caminho
sem variaçons
sempre o mesmo sempre
sempre a mesma falta de variaçons
variantes ou diferências
E depois de todo este tempo
de tantas e tantas viagens
decato-me de nom ter chegado a nengum sítio


Aquela noite Jesus nom durmiu bem
era como se escoitara vozes no seu interior
Pensou que seria o churrasco da ceia
Ao dia seguinte
Jesus reuniu e falou aos seus discípulos
dizendo
"Mirade
isto nom vai bem
Quando organizo umha ceia aparece todo cristo
mas despois todo som desculpas
Pois a de onte foi a última"
Todos escoitarom atentos

"Logo sempre é a minha mae
que é umha santa
quem tem que recolher e fregar todo
E vós que?
Um que si vai procurar umha barca
outro que a edificar nom-sei-o-quê sobre umha pedra
Todo excusas para nom arrimar o hombro
E o pior é o do tipo esse que só bebe Judas
que lhe dim 30 pesos para mercar o pam
e ainda nom voltou"
Estavam atónitos

"Pois se vós nom ponhedes algo da vossa parte
eu nom estou disposto a sacrificar-me"

 


Passear pola vida
ou polo rio
ou polo parque
ou por algumha parte da cidade
ou do campo
ou de qualquer sítio
também umha pequena vila do interior
ou da costa

Passear
nom é outra cousa
já nada mais
ou nada mais
ou nada mais
ou nada mais
ou nada mais
...

 



Desde aqui controlo todo o que sucede
Nada escapa à minha vista
Mentres sirvo cafés
ou cobro cocacolas
ou atendo a algum impertinente cliente
que pensa que todo o monte é ourego
miro
olho
fito
espreito
diviso
observo
reparo
noto
examino
advirto
analiso
nada se me escapa
nada é alheio aos meus olhos
nada pode suceder sem ter-me como testemunha
nada acontece sem reclamar a minha intensa e concentrada atençom
e se estou ocupado
o mundo detem a sua marcha
a esperar por mim




Licenciei-me em paciência
fazendo estudos de resignaçom
A perseverança é umha das minhas matérias preferidas
Realicei as práticas nas paradas dos autocarros
e a minha tese de licenciatura nas colas das oficinas bancárias
O mundo inteiro aguarda a que eu esperte para pór-se a funcionar
Eu som a medida do tempo
desde que descubrirom que os relógios iam rápido demais
E aqui estou
aguardando por qualquer cousa
que já esquecim
Sigo aqui
Para sempre ou quase sempre


Cai água desde lá enriba
desde lá enriba cai água
água cai desde lá enriba
desde lá enriba água cai
enriba desde lá água cai
lá enriba cai auga desde

e sigue a cair
a cair
a seguir
nom entendo de onde sai tanta



Si claro
Sigo aquí
Ainda nom perdim a esperança de que suceda
Depois de tanto tempo nom vou renunciar
Cada vez tenho há mais possibilidades de que suceda
Nom pode ser doutra forma
Nom há tardar
Sei que virá
Vai ser
Si
Claro
Sigo aquí
Ainda nom perdim a esperança
Nom podo mover-me de aquí
Fazede o que queirades
Eu sigo
Sigo
Si


A vida é mais que correr rá
pido para chegar cedo onde nom há nada



Desde este balcom vim passar muita gente
muitas pessoas
Lembro-me de todas
As que nom som capaz de recordar
nom existem



 

TRÊS POEMAS

I

Poderia dizer algumhas palavras
cheias de letras
para ocupar uns segundos
ou para vaziar o silêncio
mas nom sei
ainda
que poderia dizer
para esquecer
ou para nom esquecer

(Ainda desconheço o nome dos amigos e dos inimigos
porque a rádio deixou de transmitir e há já um mês
que nom funciona a tele

Procuro distraer-me pensando em outras cousas
mas sei que tarde ou cedo deverei escolher
entre esquecer e/ou nom esquecer)


II

Um limpo disparo na caluga
acabou com a vida
exitosa prometedora admirada
de quem negociava
honradamente
com os tiros na caluga
doutras vidas


III

Avança a cidade pola rua
e busca sen cesar
Procura
e nom atopa umha lembrança
umha praça umha voz
ainda que for
um pequeno troço de pavimento
no que reconhecer-se

Tira-se às rodas dum camiom
que passa
veloz
sobre ela
e dessaparece
deixando atrás os restos dumha cidade
massacrada

 



Intro[1]

 

 

Ritmo

Poesia postpoesia

Melodia transmelodia

Com esta rima

a música e a energia...

 

A senda do teu perfume

sobrevoava aquele humilde quarto do operário

que continuava a fazer parte

do sindicato dos pobres

com a certeza de que

os pequenos alquimistas vivem à margem das galas

 

Com as palavras que nunca dixemos

de pé baixo do pont-neuf

caminho sobre os passos do inverno e busco um oco

De que me valem agora as palavras

Eu levava cento e vinte dias repetindo o seu nome de seda

doem-me os pés

de manter o equilíbrio

 

[1] Com música da rádio e versos de Rafa Villar, Maria Lado, Estibaliz Espinosa, Eduardo Estévez, Marta Dacosta, Baldo Ramos, Yolanda Castaño e Emma Couceiro

 


 

A Adelino

quando lhe perguntavam

dizia que trabalhava no polígono industrial

E nom era mentira

 

A sua família sempre tivera umha leira

em aquele terreo

no final da costa de vacas

Fora de seu pai

E da sua avó

E da mae desta

Ele nunca teria vendido

mas foi expropriaçom forçosa

É polo bem de todos

diziam-lhe no bar à hora dos cafés e as partidas

 

Comprou

justo onde tivera as patacas

umha parcela com o dinheiro que lhe dérom

e a pensom dos anos em Zurique

Só havia três naves

um burguer com karaoke

e a sua horta

 

Quando lhe perguntavam

dizia que trabalhava no polígono industrial

E nom era mentira