Mesa redonda Literaturas peninsulares convidadas
Jorge Marmelo
 
 
 

A nova geração de narradores portugueses

Estar aqui, neste encontro de escritores novos, a representar a jovem literatura portuguesa é uma missão com algumas dificuldades. Antes de mais, não sei se sou um digno representante de tal geração, sobre a qual sempre se podem erguer questões relativamente às balizas cronológicas e etárias que a enquadram. Por outro lado, se há algo que caracteriza o grupo dos escritores portugueses mais novos, essa marca será, precisamente, a falta de uma consciência de grupo e a quase total ausência de marcas que torne possível aglutiná-los num movimento geracional. Aliás, existe ainda um grupo de escritores que começaram a publicar ainda na década de oitenta (que abarca nomes como os de Inês Pedrosa, Rui Zink, Miguel Esteves Cardoso, Francisco Duarte Mangas e José Riço Direitinho), os quais eram ainda assim designados quando comecei eu a publicar. Todavia, essa referência geracional a seu respeito começa hoje a ser esquecida - o que tem, pelo menos, a vantagem de demonstrar que os jovens escritores são biodegradáveis.

Assim, e deixando de lado as questões que nos levariam a um debate interminável, importa sobretudo dizer que a ficção portuguesa feita por escritores mais jovens vive hoje um momento particularmente interessante, seja em termos de quantidade, seja ao nível da qualidade. Há actualmente um grande apetite das editoras por esta carne fresca e tenra da literatura, motivo pelo qual se tornou fácil editar primeiras obras em Portugal. Este fenómeno traduziu-se num autêntico "boom", uma tal explosão de novos autores que, inclusivé, torna difícil acompanhar convenientemente o seu trabalho. A maior torrente é, todavia, a que está ligada à chamada literatura "light", a qual prima pela ligeireza e por um certo costumismo urbano e superficial. É, todavia, entre estes autores que é possível encontrar mais facilmente algo que se assemelhe aos traços de um movimento literário, embora, também neste caso, o fenómeno resulte mais de uma coincidência do que de uma organização deliberada.

Não é, contudo, esta a jovem literatura portuguesa que me interessa abordar, mas antes aquela que é praticada por nomes como Pedro Rosa Mendes (cuja primeira obra venceu o mais importante prémio nacional, o da Associação Portuguesa de Escritores, estando já traduzida em cerca de vinte países), José Luís Peixoto (vencedor da última edição do Prémio José Saramago), Possidónio Cachapa ou Mafalda Ivo Cruz.

O aturado trabalho ao nível do texto, a prosa impregnada pela poesia, o carácter experimental e a busca da originalidade serão, se as houver, as principais marcas do trabalho destes escritores. Todavia, creio que lhes poderemos encontrar outros traços comuns, como seja, nomeadamente, a percepção da literatura enquanto espaço de efabulação, possibilidade de viver outras vidas através da escrita. Foi o que eu fiz em livros como "O Homem Que Julgou Morrer de Amor", cuja acção decorre na Grécia clássica, "Portugués, Guapo y Matador", no qual me permiti ser um assassino a soldo que viaja de Portugal a Berlim, com passagens pela Galiza e por Barcelona, "Nome de Tango" (que engendra uma colónia argentina imaginária em Portugal, marcada pela tradição cultural do tango) ou "Sertão Dourado", na qual pude viver a saga da emigração portuguesa para o Brasil no início do século XX. Mas é também o que faz o Pedro Rosa Mendes (os seus dois primeiros livros respiram África por todos os poros), o Possidónio Cachapa, que transporta o herói pornográfico da sua "Materna Doçura" para Paris, ou o José Luís Peixoto, que paira sobre um ambiente geográfico quase intangível, onírico, para tratar dos grandes temas que sempre preocuparam os escritores.

Parece-me que esta abordagem pode ser lida de duas formas distintas. Se, por um lado, esta migração literária constitui uma forma de enriquecimento - um pouco à imagem das nossas caravelas, que foram à descoberta de novos mundos e regressaram à Europa trazendo um pouco da cultura dos povos colonizados -, assumindo aquela que poderá ser, a meu ver, a grande vocação da literatura portuguesa, assumindo-se como plataforma de confluência de culturas -, esta fuga aos temas portugueses é, de igual modo, uma forma de exílio espiritual. Portugal é hoje um país triste, deprimido e sem perspectivas ou desígnios - e parece que também nós, os escritores, o sentimos na pele, dando a este facto uma leitura cultural.

 
 
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