Centro de Documentación da AELG
Mongólia. Umha entidade estatal rugosóide - [Texto íntegro]
Lugris, Igor

M O N G Ó L I A
Umha entidade estatal rugosóide

 

Mongólia é umha entidade estatal rugosóide
que oferece montanhas várias e perspectivas novas
É um diário viver entre placas tectónicas
entre enormes mantos de terra
entre tam novidosas possibilidades materiais
que a realidade se transforma ou foi transformada
Mongólia é todo isso e muitas outras muitas cousas
como umha cançom um verso ou umha palavra
como umha melodia de resistência cantarolada ante
as forças de ocupaçom

E Mongólia é também umha condiçom humana
um problema pessoal umha qüestom social
umha forma de ser e estar de agir e reagir ante os factos e os fados
A demonstraçom prática de que caminhar resulta complicado
-o caminho é foi e será longo e duro
dixeram antes quem antes já o andaram-
umha metafora dumha ideia e dumha realidade
um destino um ponto de partida e de chegada Umha viagem

Mongólia é umha fábrica de operários Umha selva de guerrilheiras
umha patera de emigrante ilegal Umha barricada na cidade
umha realidade material inegável e a utopia que nom existe
A decisom de falar com voz própria e a vontade de existir
o passo adiante e a vista para a frente
as longas madrugadas
a paixom de transformar
o compromisso colectivo
os tempos as vontades e as situaçons
Outubro Abril e Julho
as condiçons objectivas e as subjectivas
os conflitos que se intensificam e os que se contextuam
e o universo inteiro
e os teus olhos com ele agá
e o desejo de cambiar cada corda por um saco de balas
todo isso
e muitas outras mais cousas
também é Mongólia


Resistir nom é só bombardear com palavras
e com silêncios
os quarteis gerais do inimigo e os seus centros neurálgicos
É também perceber
e receber
a inesgotável sucessom de feitos que é o lento transcorrer
de dias e dias
e noites e manhás inteiras
vendo só o que se escuita
e ouvindo a completa ausência



Mongólia tem caminhos de ferro


Os comboios som de diverso tipo
uns sempre chegam tarde
outros nunca chegam a tempo
Os que alcançam altas velocidades ou velocidades altas
nunca param onde alguém quer subir ou baixar
Os lentos os que se eternizam os que quase nom se movem
nom fam outra cousa que estar parados ou nom mover-se

Há quem fala dos comboios
mas em Mongólia todo o mundo sabe que tem
o sistema ferroviário que se merece



Mongólia nom poderia ter outro nome
nom se poderia chamar de outra forma
Tem o nome justo Um redondo vocábulo
Redondo limítrofe e eufónico
Grave agudo e esdrúxulo Sobre todo esdrúxulo
Paralelepípedo e intrigante
Durante algum tempo houvo
haveria quem lhe quijo chamar
albánia
mas aquelas madrugadas nom reuniam todo o que se procurava
Pouco durou aquel empenho Sempre será Mongólia Mongólia
Igual que sempre a água tem hidrogénio e oxigénio
em justa proporçom



Um unítrio caminha pola rua
só sem companhia Tam triste como a realidade
Procura outros unítrios que nom aparecem
Já nom há unítrios na cidade
"Haverá que emigrar" pensa
Mas nom sabe que nengumha companhia aceita trans
por
tar
unítrios a estas alturas do ano
e co que está caindo aí fora



Se fosse mais tonto dariam-me um prémio
e nom seria o primeiro tonto em ganhar um prémio
Podo lembrar sem grandes esforços
sem esforço quase poderia dizer
vários tontos com prémio única
e exclusiva
mente pola sua tontaria Quanto mais tonto
mais prémio
Polo menos poderia presumir de algumha cousa
de ter ganhado um prémio
eu mesmo
próprio sem ajuda
conseguido pola minha valia
ou minusvalia
e nom como agora
que nem ganho nem perdo nem subo nem baixo
nem tiro nem ponho nem afirmo nem nego
nem branco nem negro nem listo nem tonto
e ninguém premia esta mediocridade que arrasto
sem pena nem glória





Quem a boa árvore se encostar
boa sombra que o acovilha


E sombra sombra
o que se di sombra
só dam as árvores frondosas


Mas há sombras ermas
perigosas como a derrota



Evidentemente
nem sempre existiu Mongólia
Houvo um tempo em que a utopia
ou talvez o sonho
ou se calhar a esperança
ou todo ou nada ou etcétera
nom tinha umha realidade material
real sobre a que assentar
e sobre a que sentar
e sobre a que sentir
Nem sempre fôrom os mares o limite da terra
E nem sempre os nomes representárom e apresentárom
as mesmas entidades materiais amores e desamores Anseios e desejos
Queréncias e reticências

Quando Mongólia nom existia
eram muitas as pessoas que a pensavam

Nom eram pensoas que a persavam



Em Mongólia é complicado falar
e escrever
Ir
a umha biblioteca pode ser umha aventura
pois muitos dos livros de Mongólia som libros que nom som de Mongólia
e as próprias bibliotecas também nom som de Mongólia
A gente fala estranho
como se aquela língua que tenhem dentro da sua boca
nom fora sua
ou a tivessem hipotecada
e ainda estivessem coa saliva a pagar letras mensais
como se as palavras nom lhe foram próprias
Mas alugadas
Ou estivessem registadas num gabinete de patentes estrangeiro
a nome dumha academia irreal empenhada em ser real académia
Som as de Mongólia muitas vezes palavras que nom se reconhecem
nem reconhecem aos seus ouvintes

Nom é
por isso
um país normal
Pois num país normal ninguém fala
coa língua rota cortada truncada sangrante
Em Mongólia existe escassez de língua
igual que noutros lados há escassez de água




Antes de Mongólia
existiu a décima de segundo exactamente anterior
cada umha das dez partes iguais nas que dividimos a sexagésima parte da sexagésima parte da vigésima quarta parte do dia

Entom
era justo o momento do primeiro passo sobre o abismo
passagem profunda e escarpada da que desconhecemos o fundo
o pé no ar
e nom saber se existirá realmente a lei da gravitaçom universal
aquela pola que dizemos que dous corpos quaisquer se atraem com umha força proporcional ao produto das suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da sua distância
ou para caminhar se produzirá o milagre
entendido como facto muito extraordinário inexplicável polas leis da natureza
um pé atrás doutro
sem território sólido sobre o que pisar
Era também o momento preciso no que
cair
sem saber se haverá capacidade para resistir
Era o instante de consciência
no que acreditar
para desde entom fazermos parte
dos que do fundo do abismo
querem
seguir caminhando

Nom todas as pessoas que viviam sem Mongólia
quigérom caminhar mais alá do abismo
Mongólia é ainda um país escassamente povoado



Há algum tempo
convocou-se em Mongólia umha maratona
Nom foi muita a gente que se apontou
Que se o clima
Que se a orografia
Que se a falta de tradiçom

O dia sinalado na hora precisa
um grupo de pessoas estava preparada
na linha de saída
dispostas a chegar ao final

Algumhas pensavam correr muito muito
e chegar as primeiras
Mas from as que primeiro se retirárom
A falta de tradiçom
o clima
justificavam

Houvo quem o tomou com mais calma
mas a medida que iam passando-se as horas e os dias
e os primeiros quilómetros
desesperavam-se por nom dar chegado à meta
Algumhas provárom atalhos
Outras colhérom o carro
Houvo quem dixo que a meta era
exactamente
o ponto até onde el chegara
A orografia
A dureza prova

Mas também houvo quem decidiu seguir
Quem sabia que aquilo nom era umha competiçom de velocidade
Conscientes que o resto da sua vida seria


correr
seguem correndo ainda hoje
e de quando em vez cruzam-se com quem
incrédulo
ainda pensa que Mongólia
polo seu clima
pola orografia

pola falta de tradiçom
nom está preparada
para as
maratonas



Antes de Mongólia
já existiu também a atlántida
dim algumhas pessoas
para tratar de atacar Mongólia
como querendo negar a evidente existência de Mongólia
Já existiu icária
e utopia
e os falanstérios e as comunas
E a comuna de paris
até dim alguns
"... e a comuna de paris" repetem
E querem com isso convencer
ou convencer-se
da inviabilidade de Mongólia
Porém
os seus habitantes
os seus escassos e escassas habitantes
empenham-se em seguir vivendo em Mongólia
E dia após dia amanhecem convencidos de viver
onde há que viver
E com vontade de ser amanhecer



Mongólia é um pequeno reduto de liberdade
Umha ilha rebelde no médio do oceano
atlántico pacífico ou violento
Umha república coas fronteiras bloqueadas
Um barco em quarentena
É doado deixar Mongólia O complicado é estar
Há que perder-lhe o medo ao futuro
ao desconhecido ao incerto
Há que ser capaz de jogar os dados contra deus
e contra todo cristo
Mas sobre todo
sobre todas as cousas
há que possuir a plena segurança e convencimento
de querer viver em Mongólia
e nom em Madrí em Bruxelas ou em Niu Ior



Um diminuto silêncio
batia o c r i s t a l
batia o c r i s t a l
batia o c r i s t a l
batia o c r i s t a l
batia o c r i s t a l
batia o c r i s t a l
...
eternamente
batia o c r i s t a l
um minuto de silêncio

mentres cada um de nós íamos
lentamente
pensando o que íamos dizer
ou dizendo o que íamos pensar
quando chegassemos



Para chegar a Mongólia
há que pôr-se no médio do caminho
e decidir
para onde ir ou para onde avançar
e em cada cruzamento
grande ou pequeno
decidir novamente
e olhar para trás

para saber
que
evidentemente
se escolheu o caminho correcto ou acertado
sabendo que isso
nunca se sabe



Também a Mongólia vam turistas
uns de fim-de-semana
ou tam só de umhas horas
Outros passam vários dias
semanas ou até meses
mas som todos turistas
Fotos anedotas e aparências


Antes de Mongólia
desta Mongólia
nom existiam tempos nem cores
todo era branco
Ou agora Ou cinzento Ou antes Ou zero
Ponto Também todo era ponto
e umhas vezes ponto simples e outras ponto parágrafo
E os parágrafos eram intermináveis
ou tam curtos que ilegíveis
agramáticos
ou talvez de antisintácticos

Que se lhe vai fazer
Mongólia foi imperfeita nos seus princípios



A casa real da Mongólia
a totalidade da casa real da Mongólia
foi passada à facada
muitos anos antes de fundarmos Mongólia
e anos
muitos anos depois
de alguém descobrir
o primeiro caminho que levava a Mongólia
ou a algum lugar parecido
E de que esse alguém fosse decapitado
queimado assassinado envenenado desaparecido
Mas essa foi a mesma pessoa que
quarenta geraçons antes ou quarenta geraçons depois
passou à facada à casa real da Mongólia
À totalidade da casa real da Mongólia
E com cada facada fundava-se
fundou-se
fundavam
fundamos Mongólia



Certamente
necessitamos a língua para fundar Mongólia
e
até que nom aprendemos a língua de Mongólia
nom pudemos viver em Mongólia

Se nom soubessemos que estamos vivos
começaríamos a duvidar da nossa existência
mas em Mongólia ninguém esquece
que se ainda somos mongoles
é por
obra
e
graça
do idioma
e que a perfeiçom obtida na elaboraçom da nossa língua
é o fruto dumha experiência
transmitida ao longo dos anos
e constantemente conservada por centos de geraçons
de habitantes da Mongólia


Um bom dia
os alcaides e demais autoridades e forças vivas de
Cretingrado e Tristeburgo
duas aldeias geograficamente próximas a Mongólia
logo de muitos anos de silenciar e negar
a existência da Mongólia
decidirom declarar-lhe a guerra
Nom se sabe se a primeira a segunda ou a terceira
guerra
mundial e individual
colectiva e universal
O motivo
dixérom
era o acento que Mongólia possuia
Umha inadmissível forma de coacçom
diziam
Um elemento desestabilizador da regiom
repetiam
Umha mostra de violência e intoleráncia
bramavam
Umha situaçom extemporánea e inaceitável
berravam

Hoje sabemos que o motivo
real
da declaraçom de guerra era muito mais prosaico
e que os alcaides e demais autoridades e forças vivas de Cretingrado e Tristeburgo
nom podiam aceitar
que Mongólia
umha pequena entidade estatal rugosóide
fosse umha voz dissonante
discordante
dissidente
ante o Coro da Grande Mediocridade
do que eles queriam fazer parte



Construímos e construiremos Mongólia
com cada umha das letras
que necessitamos
para a sua construçom
com cada umha das palavras
que empregamos
para a sua
descriçom
com cada umha das acçons
que executamos
para a sua fundaçom
porque o verdadeiramente imaginativo
e criativo
nom é pedir o impossível
mas construir aquilo que é necessário



E nom houvo quem tirasse a primeira pedra
ou bala ou palavra ou lágrima
porque ninguém de nós estava
livre de pecado

Porém fôrom muitas as pedras
ou as balas ou as palavras ou as lágrimas
da nossa intifada



Mongólia
é um velho e permanente sonho da humanidade oprimida
ou
talvez

o nome próprio da utopia

Sem ánimo de transcender
sem vontade de chegar mais longe
sem querer dizer mais do que o imprescindível



Independismo e Socialência!
berravam em Mongólia as pessoas que berravam em Mongólia

Independismo e Socialência!
E montanhas muitas montanhas
para construirmos um país
e também um par de madrugadas
e um rio
e dous caminhos que vaiam juntos
e um sol que saia de noite
e umha lua grande e pequena
e um livro de um par de versos com quatro palavras
e




Nom matamos a todos os pais
porque alguns já estavam mortos
e bem mortos
ainda que assistissem a encontros
ágapes charlas e tertúlias
mas estavam mortos
estám mortos

Rígidos
tesos
humefactos
já cheirando a isso que cheiram os mortos
e falando
com voz de morto
de cousas da vida
mas que também cheiram a isso que cheiram os mortos
com palavras rígidas
tesas
humefactas
A esses
já digo
nom os matamos
mas nom foi por compaixom
por um ataque de bondade
ou porque declarássemos umha trégua
indefinida e unilateral
Foi porque estavam mortos
mortos
ortos
rtos
tos
os
s

Descansem em paz



Sabem aquel que di que
havia um poeta
boémio clássico maldito
de culto estudoso prolífico
que intentou um cavalgamento brusco
num soneto de amor
e o cavalo
encabritado
botou-no por terra
e a amada
despeitada
mandou-no a passeio
e o editor
aborrecido
ignorou-no
e o público
canso
preferiu um romancista de 16 anos
e os jornalistas
de práticas
nom o conheciam
e os críticos
podres
nom falárom del
e os fanzines
e as revistas
modernas alternativas radicais
nom publicárom a sua foto
e por último
el mesmo
triste
decidiu suicidar-se
e rompeu-se-lhe a corda
e nom tinha cuitelos nem balas nem butano
nom lhe vendiam veneno
e os rios estavam secos
E entom
fijo-se funcionário
e chegou a Director Geral
ou a subsecretário
e só publicava no D.O.G.
até que ganhárom os seus
e publicou no B.O.E.
até que um dia
que se lhe cruzárom os fios
redigiu em verso octossílabo
abab
abab
cdc
dcd
a Lei de Ordenaçom Geral do Sistema Tributário
e foi feliz
e alcançou a glória
e o chamou a amada
e o editor e o público
e os jornalistas e os críticos e os fanzines e as revistas
mas o cavalo
aquel cavalo
nom voltou
e el
simplesmente
nom era de todo feliz
(mas tinha umha nómina a fim de mês)



Quero dizer que esses líquidos
esses todos viscosos e pingantes líquidos
doces pastosos leitosos açucarados
líquidos densos e aquosos
salgados ou amargos líquidos
que caim
e es
s
va
a
a
a
r
a
a
a
a
m
m
m
m
m
m
m

por tantas e tantas páginas
esses líquidos
esses todos líquidos empalagosos mornos ou frios
nom existem



SENTA-SE UM HOMEM ANTE UMHA VACA E FALA COM ELA

Por estar aqui sentado como estou
falando contigo olhando-nos aos olhos
pensaram muitos que som neo-ruralista
pro-engebrista ou sócio-comprometido
mas eu o que pretendia
nom era isso
Nom pretendo fazer umha metáfora com esta situaçom
tu aí e eu aqui frente a frente
olhando-nos aos olhos
mas ainda que se entenda assi
eu seguirei aqui
a falar contigo
E agora
escuita-me atentamente



É certo
som de ningures
Nunca tivem umha terra de jogar
nem um mar que ver de cativo
Nom sei os nomes das montanhas dos rios dos vales
Desconheço como se chamam os meus vizinhos
Mas som feliz
aqui
na cidade
onde o certo é que os carros nom dam leite
nem nas ruas há gamelas



Si
Mongólia também tem idiotas
Nom é um país perfeito
De todo tem que haver
e também tem umha certa porçom de idiotas
Nada espectacular
percentualmente semelhante a qualquer outra entidade estatal
se calhar até menos
Mas existem
nom é secreto nengum
Porém
procuramos que nom cheguem a ser autoridades
É umha táctica de autodefesa civil
dentro dumha estratégia de liberdade colectiva


Melhor saber-se vencido
que pensar que continua a guerra
mentres todo o mundo
na sua casa
celebra coa derrota
o dia da vitória


Dixérom
-"Temos aqui um verso
um verso
dous versos
três versos
A vida é um verso que se me escapou"
E cheira
E nom cheira bem
Mas triunfárom igual
que se cheirasse bem
Porque dixérom que tinham um verso
dous versos
três versos
escritos em papel alumínio
impressos em papel de arroz
editados em scotex
(para a cozinha
para o banho)
Graxo verso
escasso de graça
Peganhento
elástico verso
O verso blandiblu
Di pinto di blu
Pretendem ser livres
como o sol quando amanhece
livres como o mar
livres como o páxaro que escapou da sua prisom
Dependentes como eram
como som
à sua própria voz
Ao seu próprio verso cheirento
À sua própria imagem mil vezes reflectida no espelho
nas fotos dos jornais na televisom


Quando fundamos Mongólia
sabiamos que o trabalho nom só produzia mercadorias
mas que era fundamental que
quando menos
produzira mercadorias
porque nom só de mercadorias viviria Mongólia
mas Mongólia nom viviria sem elas
Logo
descobrimos que
ademais
o trabalho deveria produzir também
cámbios na infraestrutura
e nos versos
e na chúvia de metáforas que poderia cair sobre nós
e em cada novo abrente que viviramos desde entom
e em todas e cada umha das nossas palavras
etcétera




E depois
se um dia desaparecer
Mongólia

(isto já o dixo alguém)

diria que nom
Que era outra cousa
que perdemos a batalha
que nom estava todo calculado
que nos vencérom
que nos derrotamos
que nom fomos capazes
que nom sabiamos o que significava
sermos da Mongólia
Direi
diremos
ou dirám outros que comigo vam
-que eu só digo os meus versos aos que
comigo vam-
e deixaremos sempre a porta aberta
para outros irem
para outros virem
para outros chegarem
para que fundem Mongólia mais umha vez
E se nom a deixamos
abrirá-se igual
ou deitará-na abaixo dumha patada
que a violência seguirá a ser a parteira da
História
de toda esta história




Mongólia
com oito letras
com quatro sílabas
com um acento
com maiúscula
com vontade
sempre será Mongólia


Eu sei que lá

onde tu dizes
também existem as palavras
ou algumhas das palavras
e sei que as cores
nom todas as cores
mas algumhas das cores
fam parte da realidade
também nom de toda a realidade
mas de parte da realidade
sei-no
E sei caminhos e madrugadas e algumhas cousas
nom todas as cousas
Mas nom se trata disso
Mongólia nom se pode transaccionar numha assembleia
nom é fruto do consenso
É a realidade
toda a realidade
e nom umha parte da realidade
transformada
e nom simplesmente interpretada ou administrada
gerida dirigida governada regulada
É teoria e praxe
Um país pragmático
mas nom umha renúncia contínua




O programa de governo da Mongólia
entre outras cousas
contemplava umhas quantas metáforas de carácter estratégico
duas ou três metonímias
o reparto de palindromos
entre os sectores da populaçom mais necessitados
poucas alegorias e aliteraçons
tam só as necessárias para manter em pé o sistema literário público
a reduçom reutilizaçom e reciclage de circunlóquios
perifrases
e elusons da palavra directa
e a garantia de um reparto equitativo de pareados e paralelismos

... e justiça para todos
Umha justiça comutativa distributiva e social
e nom umha simples palavra nos seus dicionários


Todos os anos visita Mongólia um circo
sempre nas mesmas datas
sempre o mesmo circo
Sempre os mesmos palhasos coas suas mesmas palhasadas
sempre terríveis feras domesticadas
aborigens de longínquos países
exóticas bailarinas
anaos
acro ba
tas e prestidigitadores de diversas artes
tendências e posturas
um apresentador já barrigudo
chato e muito bem vestido
a orquestra que desafina sempre nos mesmos compassos
e acerta no momento oportuno
Até o público costuma ser o mesmo dum ano para outro
As pessoas que nunca fôrom seguem majoritariamente sem ir
As que vam sempre nunca deixam de assistir
Todo o mundo executa com sábia perfeiçom a sua actuaçom

Sempre o mesmo circo
Sempre nas mesmas datas
Mais ou menos a meados de Maio




De nom existirmos Mongólia
veriamo-nos na obriga de inventá-la

Ainda sem conhecer nem reconhecer a opiniom da gramática e da retórica

É tam duro viver


Um dia houvo umha manifestaçom em Mongólia
Foi umha cousa bem curiosa
pois algumhas das pessoas que a convocavam
nom eram nem foram nunca habitantes de Mongólia
e outros foram-no mas já nom o eram
Mas convocavam umha manifestaçom e a faziam em Mongólia
Parecia-lhes que o podiam fazer
Por suposto
nos seus países nom convocavam manifestaçons
nem nada
a nom ser conferências de imprensa
com petiscos e café antes durante e depois
para os jornalistas

O dia da manifestaçom
a uns quantos abriu-se-lhes a úlcera
quando vírom que os habitantes de Mongólia
assistiam às manifestaçons de Mongólia
Eles ainda nom o logram perceber
porque nom acreditam na existência de Mongólia
e pensam que é um país vazio
que podem ocupar
Mas nós seguimos empenhados em tirar para adiante




Essa foi umha das grandes discussons de Mongólia
Existiam os meios de produçom em Mongólia?
E
se existiam
de quem eram?
Horas e horas de debate dumha qüestom fundamental
porque era evidente que deveriam existir
os meios de produçom
como em qualquer outro país
mas onde estavam?
E se existiam como em qualquer outro país
quem eram os seus donos?
Onde estavam?
Seria este o país perfeito
o país milagro
o país paraíso
-ou para outra cousa-
onde nom existia burguesia proprietária
dos meios de produçom
porque tam sequer existiam
os meios de produçom?
Fundariamos
sem decatarmo-nos
o paraíso terrenal pretendendo fundar outra cousa?
Logo de muitas discussons
e muitos debates
e charlas e jornadas e mesas redondas e colóquios
e artigos e ensaios e revistas e imprensa especializada
e páginas web e grupos de debate e institutos de investigaçom
e polémicas e desencontros e consensos e dissensons
e cissons e reunificaçons e rupturas e refundaçons
e assembleias constituintes e diluintes e poluintes
depois de todo isso
e de algo mais
chegamos aonde estamos agora

É dizer
ao final do poema